Credit: Dr. Cristina Engel de Alvarez (Full Professor of Architecture and Urbanism at the Universidade Federal do Espírito Santo) with the collaboration of Izabela Uliana Pellegrini, Juliana Silva Almeida Santos, Renata Cerqueira do Nascimento Salvalaio and Victor Moura Bussolotti (PhD candidates in Architecture and Urbanism at the Universidade Federal do Espírito Santo).

Tip: this case study was written in Portuguese, please use embedded translation tool in your browser if needed.

Território do Bem in Vitória, Espírito Santo, Brazil

O Território do Bem é um projeto formado por nove comunidades de baixa renda em Vitória, Espírito Santo (Brasil), que se uniram para criar um espaço de debate e articulação de soluções para demandas coletivas. A região é resultado de ocupações irregulares ocorridas entre 1920 e 1970, caracterizada pelo desordenamento e grande degradação ambiental. Em 2005, foi criado o “Banco Bem”, com moeda própria, visando financiar reformas em edificações na própria comunidade. Entre 2008 e 2009 foram estabelecidas prioridades, originando o Planejamento Estratégico Comunitário da região. A movimentação popular gerou investimentos oriundos dos setores públicos e privados, além de parcerias com universidades. Dentre os principais resultados, destacam-se as reformas de fachadas e interiores das residências; transformação de áreas de depósito irregular de lixo a céu aberto em praças; criação de hortas urbanas e implementação de rotas turísticas. Além do incremento na economia local, a região, anteriormente caracterizada por episódios negativos, transformou-se em terreno fértil de ideias inovadoras. Em 2010, recebeu o prêmio “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (ODM) do Governo Federal, apoiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Embora a região continue enfrentando problemas inerentes a uma comunidade vulnerável, constitui um exemplo de gestão participativa com resultados positivos buscando sustentabilidade urbana, seja nos aspectos ambientais, sociais ou econômicos.

 

PRINCIPAIS ATORES E PARCEIROS (KEY ACTORS AND PARTNERS)

As ações que se desenvolvem no Território do Bem são um resultado de esforços integrados entre os moradores, líderes comunitários, algumas Organizações Não Governamentais (ONGs), a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e empresas da iniciativa privada. Observa-se que dentre as ONGs, destaca-se o “Ateliê de Ideias”, que é um grupo com atividades voltadas para a economia solidária em quatro eixos de ação: finanças, desenvolvimento comunitário, habitação e tecnologias sociais. Também deve ser destacada a atuação da ONG “Onze8”, que é um grupo de arquitetos que visa promover moradia digna nas comunidades.

CONTEXTO (CONTEXT)

O Território do Bem é um complexo urbano formado por seis bairros de baixa renda e três comunidades. Engloba aproximadamente 30 mil habitantes (PINTO, 2017) e é uma região altamente adensada em terrenos irregulares, composta por construções residenciais de ocupação espontânea, caracterizada pela apropriação desordenada de áreas informais, o que muitas vezes se traduz em casas precárias construídas em áreas de risco, principalmente em função da alta declividade. Imagens do bairro São Benedito, que faz parte do Território do Bem, com destaque para a alta declividade dos terrenos e precariedade das edificações.

O território possui problemas de ordem morfológica, oriundos principalmente do relevo com alta declividade, gerando vias e becos estreitos e não pavimentados. Destacam-se, ainda, os problemas sociais, como a violência ocasionada pelo consumo e tráfico de drogas. A falta de um plano de ordenamento urbano à época do surgimento e posterior crescimento dos bairros, repercutiu negativamente na sua estrutura em diferentes aspectos, como mobilidade, conforto, saúde e carência de equipamentos urbanos. À esquerda, definição da parcela urbana do Território do Bem e à direita, vista panorâmica de parte do território.

Foto e edição autoral a partir das bases em https://geoweb.vitoria.es.gov.br/

VISÃO GERAL DO PROCESSO (PROCESS OVERVIEW)

Dadas as condições de vulnerabilidade social e econômica, os moradores da região enfrentavam dificuldades para acessar os sistemas de financiamento disponíveis nas instituições bancárias tradicionais, o que inviabilizava qualquer tentativa de reforma para tornar suas residências menos insalubres e mais seguras. Dessa necessidade surgiu a ideia do banco comunitário, o Banco Bem, uma iniciativa para conduzir o desenvolvimento econômico da região, promovendo inclusão bancária e social, com serviços financeiros solidários. Fundado em 2005 e gerido pelo Ateliê de Ideias, o projeto visou fornecer crédito à população local, tradicionalmente excluída do sistema financeiro convencional.

Em 2007, também sob a coordenação do Ateliê de Ideias, as lideranças e os moradores da região criaram um fórum de desenvolvimento comunitário, denominado Fórum Bem Maior (FBM), com o objetivo de propiciar um espaço para discussão das demandas coletivas e participação da comunidade na melhoria do espaço social e geográfico. Desde então e até os dias atuais, o FBM tem atuado como eixo condutor dos projetos desenvolvidos para a região e desempenha papel de articulação entre os moradores, lideranças comunitárias e demais atores.

Em 2008, foi realizada a pesquisa “Saberes, Fazeres e Perfil dos moradores do Território de Bem” em parceria com a UFES, com o objetivo de definir o perfil socioeconômico da população. As informações obtidas serviram como base para a definição do Planejamento Estratégico Comunitário, criado em 2009. Intitulado como Plano Bem Maior do Território do Bem, o documento definiu as ações de desenvolvimento local nas dimensões política, econômica, social, ambiental e cultural. Participaram desse planejamento moradores, técnicos de várias instituições e representantes do Poder Público.

RESULTADOS (RESULTS)

Discussão de projeto com morador do Território do Bem. Fonte: Onze8, 2020.

Por meio do projeto do Banco Bem já foram realizados mais de 380 empréstimos, que representam cerca de 3 milhões de reais investidos em reformas e construções. Em 2019 o banco passou a atender outras três comunidades, além das que formam o Território. A moeda atualmente funciona também com aplicativo para celular e cartão. Por meio da moeda social Bem e-dinheiro, o banco colabora com a circulação da riqueza local ao estimular que as compras sejam realizadas no comércio da região. Atualmente, mais de 50 estabelecimentos comerciais locais aceitam a moeda.

O Banco Bem continua realizando o crédito habitacional voltado para a reforma de moradias, com empréstimo de valores que variam entre 3 e 10 mil reais, e conta ainda com assessoria de projeto e acompanhamento da obra oferecidos pelas ONG’s parceiras, profissionais e estudantes de graduação em arquitetura e engenharia.

A aprovação das solicitações de crédito e a forma de pagamento do financiamento são avaliadas por um Comitê formado por representantes da própria comunidade. Os juros aplicados são mais baixos do que os praticados pelas instituições financeiras tradicionais.

Antes, durante e depois da reforma da residência do Sr. Antônio, construída com crédito habitacional do Banco Bem e orientação da Onze8. Fonte: Onze8, 2019.

Outros projetos habitacionais foram instituídos para a região, como o Projeto Saúde Habitacional, uma parceria entre a iniciativa privada, o Ateliê de Ideias e a Onze8, que busca, principalmente, trazer melhorias no saneamento básico das residências.

Dentre os projetos propostos a partir do FBM, desenvolveu-se o Ecos do Bem, que objetivou promover o desenvolvimento sustentável, mobilizando a comunidade em campanhas de educação ambiental focadas no problema do lixo que assola a região. Para tanto, as lideranças comunitárias foram mobilizadas a partir de reuniões do Fórum, sendo então criado um grupo de trabalho que buscou parcerias e desenvolveu material didático com o intuito de orientar os moradores.

Mobilização das lideranças e moradores para o projeto Ecos do Bem e Reuniões com a Prefeitura. Fonte: Ateliê de Ideias.

Visitas às casas e limpeza dos pontos de lixo.

Fonte: Ateliê de Ideias.

Para dar suporte ao trabalho e integrar os diferentes setores, o projeto recebeu o apoio da Prefeitura Municipal de Vitória, que recepcionou os representantes comunitários para reuniões em diferentes secretarias e somou seus esforços ao projeto ao fornecer funcionários para ajudarem na sua execução. Dos 216 pontos de lixo mapeados, 12 foram escolhidos para receberem as intervenções de limpeza almejadas no projeto. 

Visitas às casas e limpeza dos pontos de lixo.

Fonte: Ateliê de Ideias.

Em 2011, foram realizadas visitas a mais de 2000 casas para simular a separação de lixo com os moradores, informar sobre os procedimentos para a coleta, bem como conscientizar e distribuir lixeiras domésticas. A partir da sensibilização da comunidade, alguns dos pontos de lixo foram limpos pelos próprios moradores e, outros, por voluntários do projeto e funcionários de limpeza da prefeitura. Não se restringindo apenas à sua limpeza, alguns terrenos foram transformados em parques e jardins.

Outros projetos de intervenção urbana foram implementados visando melhorar espacialmente a região e promover a integração da comunidade. Um exemplo é a Rota do São Benedito, inaugurada em 2022 e caracterizada por um percurso voltado ao turismo que ressalta as narrativas coletivas do bairro e os aspectos culturais da comunidade. O percurso foi criado a partir da participação da comunidade, principalmente dos líderes comunitários, dos comerciantes locais e dos moradores mais antigos. A rota possui 8 pontos de parada, incluindo um mirante no alto do morro a 208 metros acima do nível do mar, em que se localiza o farol mais alto do Brasil e de onde é possível desfrutar de uma vista diferenciada e bastante atrativa. No local, foi instalado um banco feito a partir da reciclagem de tampas plásticas recolhidas pela própria comunidade.

Acima à esquerda, o Farol de São Benedito; acima à direita, o banco produzido a partir de material reciclado; e abaixo, a paisagem a partir do mirante. Fonte: Autores, 2023.

Rota turística de São Benedito. Infográfico da rota em placa pintada a mão e murais executados ao longo das trilhas. Fonte: Autores, 2023.

O Banco Bem também é uma das paradas da Rota do São Benedito, observando-se que todos os pontos possuem pinturas murais, feitas com auxílio da própria comunidade, e QR-codes que levam a áudios que contam a história do lugar.

O Ateliê de Ideias, no âmbito do Projeto Economia do Bem, também foi responsável pela capacitação dos monitores turísticos, gerando ampliação do emprego no bairro.

Outra iniciativa que surge a partir da comunidade é o Projeto Aqui se Brinca, feito em parceria com o Ateliê de Ideias e o Cidade Quintal. Realizada em 2017, trata-se de uma intervenção urbana em uma praça denominada Parque da Amizade, no bairro Gurigica, que visou revitalizar uma praça existente estigmatizada pela violência e pelo tráfico de drogas. Por meio da pintura e da participação popular, principalmente das crianças do bairro, buscou-se a criação de um espaço lúdico que incentivasse seu uso. O processo para o desenvolvimento do projeto do espaço contou com questionários e entrevistas visando não somente compreender os desejos da população, mas, também, engajar a população local.

Pode-se ainda citar a Horta do Amanhã, no bairro Jaburu, como exemplo de espaço público voltado à requalificação urbana e engajamento da população e de auxílio ao combate à insegurança alimentar. O apreço dos moradores pela agricultura e a vontade de aumentar as áreas verdes e o turismo comunitário impulsionaram a criação de um Circuito Verde, com três pontos de visitação turística, entre os quais a Horta do Amanhã. O projeto, além da participação popular (principalmente por meio do Grupo Nação), conta com o auxílio da Onze8 e patrocínio da iniciativa privada. A horta foi feita para substituir locais de despejo de resíduos e, também, faz parte do percurso, junto com o Parque do Bem e a Horta Canto da Pedra.

Além dos projetos mencionados, ainda existem projetos de requalificação de espaços públicos de caráter participativo, como o denominado Oásis São Benedito, o Centro Comunitário do Jaburu, a Praça Canto da Pedra e a Biblioteca Comunitária no bairro São Benedito.

A partir das iniciativas apresentadas, há 18 anos o Território do Bem vem construindo uma nova narrativa para potencializar as comunidades envolvidas, destacando-se que o FBM é reconhecido pelo setor público e privado como espaço de governança local, que fortalece a organização comunitária e a capacidade dos moradores de participarem na definição das políticas públicas para a comunidade. Em 2009 o Plano Estratégico venceu a 3ª edição do Prêmio ODM Brasil, que conta com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (ODM BRASIL, 2012), sendo esse um prêmio de grande orgulho da comunidade.